quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Contracultura cristã - A mensagem do Sermão do Monte, John R. W. Stott


Cristo e a lei (vs. 17,18)


Ele começa dizendo-lhes que não imaginem, nem por um momento, que ele veio para revogar a lei ou os profetas, isto é, todo o Velho Testamento ou qualquer parte dele. O modo como Jesus enunciou esta declaração negativa dá a entender que alguns já pensavam exatamente isso que ele agora estava contradizendo. Embora o seu ministério público tivesse começado há tão pouco tempo, os seus contemporâneos estavam profundamente perturbados com a sua suposta atitude para com o Velho Testamento. Talvez a controvérsia sobre o sábado já tivesse explodido (tanto o incidente das espigas arrancadas no sábado quanto a cura do homem da mão mirrada, também no sábado, são colocados por Marcos antes mesmo da escolha dos doze). Certamente, desde o começo do seu ministério, as pessoas foram atingidas por sua autoridade. "Que vem a ser isto?" perguntavam. "Uma nova doutrina! Com autoridade ele ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem" (Mc 1:27). Portanto, era natural que muitos perguntassem que relação havia entre a sua autoridade e a autoridade da lei de Moisés. Eles sabiam que os escribas submetiam-se à lei, pois eram "mestres da lei". Dedicavam-se à sua interpretação e declaravam não haver qualquer outra autoridade além daquela que citavam. Mas, com Jesus, a coisa não era tão clara assim. Ele falava com autoridade própria. Gostava de usar uma fórmula jamais usada por qualquer profeta antigo ou escriba contemporâneo. Ele apresentava alguns de seus mais impressionantes pronunciamentos com "Em verdade digo", falando em seu próprio nome e com sua própria autoridade. E que autoridade era esta? Será que estava se colocando como uma autoridade que se opunha à sagrada lei, à palavra de Deus? Parecia assim, para alguns. Por isso a pergunta, enunciada ou não, à qual Jesus agora respondia inequivocamente: Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas.
Muita gente continua perguntando, hoje em dia, embora de diferentes maneiras, que relação existe entre Jesus e Moisés, entre o Novo e o Velho Testamento. Considerando que Jesus aproveitou a oportunidade, falando explicitamente sobre o assunto, não devemos nos acanhar de imitá-lo. Ele veio (observe-se, a propósito, que ele tinha consciência de que viera ao mundo com uma missão) não para revogar a lei e os profetas, deixando-os de lado ou anulando-os, nem tampouco para endossá-los de maneira estéril e literal, mas para cumpri-los.
O verbo traduzido por "cumprir" (plërösai) significa literalmente "encher" e indica, como Crisóstomo disse, que "suas palavras (sc. de Cristo) não eram uma revogação daquelas primeiras, mas uma exposição e o cumprimento delas". Para captarmos o sentido total dessas palavras, precisamos nos lembrar de que "a lei e os profetas", isto é, o Velho Testamento, contêm diversos tipos de ensinamentos. A relação de Jesus Cristo com eles difere, mas a palavra "cumprimento" abrange todos eles.

Primeiro, o Velho Testamento contém ensinamento doutrinário. "Tora", geralmente traduzido por "lei", significa, na verdade, "instrução revelada"; e o Velho Testamento realmente instrui-nos sobre Deus, sobre o homem, sobre a salvação, etc. Todas as grandes doutrinas bíblicas se encontram nele. Mas, ainda assim, foi apenas uma revelação parcial. Jesus o "cumpriu" todo, no sentido de completá-lo com a sua pessoa, seus ensinamentos e sua obra. O Rev. Ryle resumiu-o assim: "O Velho Testamento é o Evangelho em botão, o Novo Testamento é o Evangelho em flor. O Velho Testamento é o Evangelho no limbo; o Novo Testamento é o Evangelho na espiga."

Segundo, o Velho Testamento contém profecia preditiva. Grande parte dela contempla o dia do Messias, profetizando-o por meio de palavras ou apresentando-o em figuras e tipos. Mas não passa de previsões. Jesus a "cumpriu" integralmente, no sentido de que o predito aconteceu com ele. A primeira declaração do seu ministério público foi: "O tempo está cumprido . . ." (Mc 1:14). Suas próprias palavras aqui, (Eu) vim, denotam essa mesma verdade. Repetidas vezes ele declarou que as Escrituras deram testemunho dele, e Mateus enfatiza isto mais do que qualquer outro evangelista, através da sua repetida fórmula: "Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta . . ." O clímax foi a sua morte na cruz, na qual todo o sistema cerimonial do Velho Testamento, sacerdócio e sacrifício, cumpriu-se perfeitamente. Então as cerimônias cessaram. Sim, como Calvino com razão comentou: "Apenas o uso deles foi abolido, pois o seu significado foi confirmado mais plenamente." Não passavam de uma "sombra" do que estava por vir; a "substância" pertencia a Cristo.

Terceiro, o Velho Testamento contém preceitos éticos, ou a lei moral de Deus. Mas eles são freqüentemente mal interpretados e até mesmo desobedecidos. Jesus os "cumpriu", em primeiro lugar, obedecendo-os, pois ele "nasceu sob a lei" e estava determinado (como já dissera João Batista) a "cumprir toda a justiça". "Ele, na verdade, nada tinha a acrescentar aos mandamentos de Deus", escreveu Bonhoeffer, "exceto isto, que ele os guardou". Ele fez mais do que obedecê-los pessoalmente; ele explica o que a obediência implicará para os seus discípulos. Ele rejeita a interpretação superficial da lei, dada pelos escribas c fornece ele mesmo a verdadeira interpretação. O seu propósito não é mudar a lei, muito menos anulá-la, mas "revelar toda a profundidade do significado que pretendia conter". Portanto, ele a cumpre, anunciando as exigências radicais da justiça de Deus". É isto que ele destaca no restante de Mateus 5, apresentando exemplos, conforme veremos.
Em cada geração da era cristã, sempre houve aqueles que não conseguiram acomodar-se à atitude de Cristo para com a lei. O famoso herege do segundo século, Marcion, que reescreveu o Novo Testamento, eliminando as referências que este faz ao Velho, naturalmente apagou esta passagem. Alguns dos seus discípulos foram mais além. Atreveram-se até a inverter o seu significado, mudando os verbos de modo que a sentença, então, passasse a dizer o seguinte: "Eu vim, não para cumprir a lei e os profetas, mas para aboli-los!" Seus correlativos hoje em dia parecem ser aqueles que abraçaram a chamada "nova moralidade", pois declaram que a própria categoria da lei fica abolida para o cristão (embora Cristo tenha dito que não veio para aboli-la), que nenhuma lei tolhe agora o povo cristão, exceto a lei do amor, e que na realidade a ordem para amar é agora o único absoluto. Sobre estes, voltarei a falar mais tarde. Por ora, basta enfatizar que, de acordo com este versículo (v. 17), a atitude de Jesus para com o Velho Testamento não foi de destruição e descontinuidade mas, antes, de continuidade construtiva, orgânica. Ele resumiu sua posição numa simples palavra: não "abolição", mas "cumprimento".
O apóstolo Paulo ensinou esta mesma verdade com muita clareza. Sua declaração de que Cristo é "o fim da lei", não significa que agora estamos livres para desobedecê-la, mas justamente o oposto. Significa, antes, que a aceitação de Deus não é através da obediência à lei, mas através da fé em Cristo, e a própria lei dá testemunho destas boas novas.
Após declarar que o seu propósito em vir era o cumprimento da lei, Jesus prossegue, apresentando a causa e a conseqüência disto. A causa é a permanência da lei até que seja cumprida (v. 18); e a conseqüência é a obediência à lei, que os cidadãos do reino de Deus devem prestar (vs. 19, 20).
Isto é o que Jesus tem a dizer sobre a lei que ele veio cumprir: Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i (yod, a menor das letras do alfabeto grego, quase tão pequena como uma vírgula) ou um til (keraia, um acento, sinal que distinguia algumas letras hebraicas de outras) passará da lei, até que tudo se cumpra. Sua referência agora era apenas "à lei" e não "à lei e aos profetas", como no versículo anterior. Mas não temos razão para supor que estava deliberadamente omitindo os profetas; "a lei" era um termo compreensivo para o todo da revelação divina no Velho Testamento. Nenhuma parte dela passará ou será posta em desuso, diz ele, nem uma simples letra ou parte de uma letra, antes que seja inteiramente cumprida. E este cumprimento não se completará até que o céu e a terra passem, pois um dia eles passarão, num grandioso renascimento do universo. Então, o tempo, como nós o conhecemos, deixará de existir, e as palavras escritas da lei de Deus já não serão mais necessárias, pois todas as coisas que ela encerra estarão cumpridas. Assim, a lei tem a duração do universo. O cumprimento final de uma e o novo nascimento do outro coincidirão. Ambos "passarão" juntos (parelthê é repetido). Jesus não poderia ter declarado com mais clareza sua própria opinião sobre as Escrituras do Velho Testamento.




Texto Retirado do Livro A Mensagem do Sermão do Monte - Contracultura Cristã, John R. W. Stott, Editora:ABU, Preço 37,00 no SITE: http://www.casadabibliaonline.com/sistema/listaprodutos.asp?IDLoja=9297&Y=5492455001833&Det=True&IDProduto=2383775&q=a-biblia-fala-hoje---a-mensagem-do-sermao-do-monte--contracultura-crista-

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