quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Cristianismo Equilibrado- John R. W. Stott







Unidade, Liberdade e Caridade



Minha preocupação é chamar a atenção para uma das grandes tragédias da cristandade contemporânea, que é especialmente visível no meio de todos nós que somos chamados (e, na verdade, é como nós nos chamamos) cristãos evangélicos. Numa única palavra: essa tragédia chama-se polarização. Serei mais específico sobre o que quero dizer.
O pano de fundo para a tragédia é a nossa substancial concordância no histórico cristianismo bíblico. Nossa união nos fundamentos da fé cristã é coisa grande e gloriosa. Cremos em Deus Pai, infinito e pessoal, santo, criador e sustentador do Universo. Cremos em Jesus Cristo, o único Deus-homem; em seu nascimento virginal , em sua vida encarnada, na autoridade do seu ensino, em sua morte expiatória, na sua ressurreição histórica, e em seu retorno pessoal á terra. Cremos no Espírito Santo por cuja inspiração especial as Escrituras foram escritas e por cuja graça pecadores são hoje justificados e nascidos de novo, transformados na imagem de Cristo, incorporados à Igreja e enviados para servir no mundo. Nestas e em outras grandes doutrinas bíblicas, permanecemos firmes pela graça de Deus, e permanecemos juntos.
Contudo, nós não somos unidos. Nós nos separamos uns dos outros por assuntos pouco importantes. Algumas das questões que nos dividem são teológicas; outras temperamentais. Teologicamente, por exemplo, podemos discordar na relação exata entre soberania divina e responsabilidade humana, na”ordem” e ministério pastoral da igreja (se deve ser episcopal, presbiteriano ou independente) e até onde os crentes podem envolver-se numa “mistura” denominacional sem que se comprometam a si mesmos e a fé que professam; nas relações Igreja-Estado; em quem está qualificado para ser batizado e no volume de água a ser usado; em como interpretar profecia, em quais dons espirituais estão disponíveis hoje e quais são os mais importantes. Estas são algumas das questões nas quais crentes igualmente dedicados e bíblicos discordam entre si. São questões que os reformadores chamam de “adiaforia”, questões “indiferentes”. Desta forma, embora pretendemos continuar defendendo nossa própria convicção das Escrituras, em conformidade com a luz que nos tem sido dada, procuraremos não pressionar dogmaticamente a consciência de outros crentes, mas tratar a cada um com liberdade, em amor e respeito mútuo. Não se pode fazer coisa melhor do que mencionar o famoso epigrama atribuído a um certo Rupert Meldenius e citado por Richard Baxter. Em coisas essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as coisas, caridade.
Estamos, também, separados uns dos outros temporariamente.
Esquecemo-nos , às vezes , que Deus ama a diversidade e tem criado uma rica profusão de tipos humanos, temperamentos e personalidades. Além disso, o nosso temperamento tem mais influência na nossa teologia do que geralmente imaginamos ou admitimos. Embora a nossa compreensão da verdade bíblica dependa da iluminação do Espírito Santo, ela é inevitavelmente colorida pelo tipo de pessoa que somos, pela época na qual vivemos e pela cultura a que pertencemos. Alguns de nós, por disposição e formação, são mais intelectuais que emocionais; outros, mais emocionais que intelectuais. Repetindo, a disposição mental de muitos é conservadora (detestam mudanças e sentem-se ameaçados), enquanto outros são, por natureza, rebeldes à tradição (o que eles detestam é monotonia, considerando mudança como algo próprio de sua natureza). Questões como estas surgem de diferenças temperamentais básicas. Porém, não devemos permitir que o nosso temperamento nos controle. Pelo contrário, devemos deixar que as Escrituras julguem nossas inclinações naturais de temperamento. Caso contrário, acabaremos por perder o nosso equilíbrio cristão.
O título deste ensaio é “Cristianismo Equilibrado”, pois uma das maiores fraquezas que os cristãos (especialmente os evangélicos) manifestam é a tendência para o extremismo ou desequilíbrio. Parece que não existe outro passatempo de que Satanás mais goste do que o de tirar o equilíbrio dos crentes. Embora eu não reivindique qualquer amizade pessoal com ele e nem tampouco qualquer conhecimento íntimo da sua estratégia, suponho ser este um dos seus hobbis favoritos.
Por “falta de equilíbrio”, entendemos o deleite que sentimos em habitar em uma ou outra das regiões extremas da verdade. Se pudéssemos apoiar-nos em ambos os pólos, simultaneamente, exibiríamos um saudável equilíbrio bíblico. Em lugar disto, tendemos a “cair em extremos”. Como
Abraão e Ló, nos separamos uns dos outros. Empurramos outras pessoas para um pólo, enquanto que o pólo oposto é mantido como nossa propriedade.
Teologicamente falando, ninguém na história da igreja britânica nos preveniu melhor deste perigo do que Charles Simeon, professor do King’s College e pároco da igreja Holy Trinity, em Cambridge, no início do século passado. Considere esta conversa imaginária com o apóstolo Paulo, que ele incluiu numa carta para um amigo em 1825. “A verdade não está no meio e nem no extremo, mas nos dois extremos. Aqui estão dois extremos: calvinismo e armenianismo. - Paulo, como te situas em relação a eles? No meio-termo intermediário? - Não. - Nos extremos? - Não. - Como então? - Nos dois extremos: hoje eu sou um calvinista convicto: amanhã, um convicto armeniano. - Bem, bem, Paulo, compreendo a tua esperteza: vai a Aristóteles e aprende o meio termo intermediário!
Simeon continua: - “Mas, meu irmão, eu sou um desventurado. Primeiramente li Aristóteles e gostei muito; mas, desde que comecei a ler Paulo, tenho captado algo de seus estranhos conceitos, oscilações (não vacilações) de um pólo para o outro. Às vezes, sou um poderoso calvinista e, outras, um débil armeniano. Desta forma, se extremos te deleitarem, sou a pessoa certa para ti; lembra-te somente: não é para um extremo que devemos ir, mas para ambos”- um adágio que Charles Smyth descreveu como “tão naturalmente desconcertante para a mente inglesa”(Memoirs of the Life of the Ver. Charles Simeon, editado por Willian Carus 1847, p. 600. Simeon and Church Order por Charles Smyth, 1940, p. 185).

Texto Retirado do Livro Cristianismo Equilibrado - John R. W. Stott. Editora CPAD, preço 13,53 no SITE :
http://www.bibliologia.com.br/lideranca-crista/95706-cristianismo-equilibrado-1191509.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...